11.12.08

Estes são Portugal


Nunca tive tanta dificuldade em elaborar uma imagem como desta vez. Apesar da responsabilidade, penso que fui feliz na sua execução.

Hoje é um dia especial. O Manoel de Oliveira faz 100 anos. Sei que, pela hora do almoço, vou ver nos noticiários meia dúzia de notícias sobre esse acontecimento. Mas, afinal, do que vou ouvir falar? Do aniversário do Manoel de Oliveira. Qual vai ser o tema da notícia? O Manoel de Oliveira faz 100 anos. Vou ouvir falar do local de nascimento, de meia dúzia dos filmes que realizou, do próximo filme e de toda uma série de coisas inúteis. O Manoel de Oliveira é muito mais que os 100 anos que tem. Este homem, cujo nome não me canso de escrever neste (ainda) curto artigo de insónia, é Portugal. É tão Portugal quanto foi Vasco da Gama, o Marquês do Pombal ou a Amália. É mais Portugal que os bárbaros portugueses da actualidade que passam o tempo a correr, a saltar, a cantar, chutar e a pensar. O Manoel de Oliveira é a nossa vida, o nosso dia-a-dia, a vida tal qual ela é (ou a vida de qualquer outro que vive aqui ou ali, mas que tem a sua própria vida diferente da nossa, mas será sempre uma vida, um ritual repetido, ou não, daquilo que constitui o nosso todo; o que pensamos, o que vemos, o que falamos, como falamos, como andamos, como corremos, como fazemos, como vivemos, como amamos ou como sofremos).

Ao contrário do que nos diz o senso-comum, a vida é algo de muito simples. Mas o simples tem muito de complexo. Apesar da sua racionalidade, poucos serão os homens que conseguem analisar a vida tal qual ela se passa, qual corrente de bicicleta...que um dia acaba por rebentar. Este homem com h pequeno (porque um homem é um animal como a formiga e a formiga jamais se escreveu com letra maiúscula) através de uma visão simplista, fez-nos ver o mundo de outra forma. Porque a vida é simples, porque as pessoas falam, calam, andam, correm, pensam, param, cantam, ouvem. O felicidade que me faz escrever sobre um homem destes será a mesma felicidade que terei ao escrever sobre a sua morte (se eu não morrer primeiro). Em nove séculos de Portugal, poderei dizer um dia mais tarde que ainda me lembro do Manoel de Oliveira em vida. Sim...esse mesmo Manoel de Oliveira que será mais conhecido depois da sua morte...se o for. A vida, porém, é injusta. Um homem assim deveria viver, pelo menos, até aos 300 anos. Que assim seja... Parabéns, senhor Manoel de Oliveira.

Inspirado por um documentário que acabei de assistir, à semelhança de um qualquer tertuliano que aluga vídeos para assistir até às tantas da madrugada, resolvi deixar aqui algumas palavras sobre aquele que para mim é o maior português da actualidade. Aliás, é dos poucos portugueses da actualidade. Outro homem com h pequeno, como o Manoel de Oliveira. É escusado dizer quem é (pois a imagem em cima diz tudo, mas isso também não é importante, pois muitos de vós não chegastes a esta parte do texto, devido ao tédio que este vos provocou). Nunca, desde miúdo e em 26 anos de vida terrena, um ser humano me deixou tão fascinado com a sua forma de pensar, de escrever ou de falar sobre a vida como este homem. Toda a gente pensa assim? Não. O Saramago tem um tom de voz monocórdico, tem um timbre de voz rude, escreve sem pontuação, é simpatizante do comunismo, ofendeu cristo (que também não escrevo com maiúscula), pensou e pensa a vida de uma forma muito profunda, tenta entrar demais nos cérebros das pessoas e...arre! Não há paciência para um gajo assim!

Porque será que isso acontece? Porque pensar simples custa. Os portugueses são, por norma, um povo que julga pensar de uma forma simples. O Saramago é um intelectual. Não. É um pensador e um comentador da vida (porque, pelo menos para mim, o intelecto é o veículo para o pensamento e não o pensamento em si mesmo). É um fazedor da História (com H maiúsculo) e mais que tudo isso é a simplicidade. Basta ouvi-lo, basta lê-lo. Discorde-se ou não das conclusões às quais chegam as suas premissas, o Saramago é Portugal. Quando digo Portugal (para Saramago e para Oliveira) não me refiro ao Portugal de hoje. Falo do Portugal da tal meia dúzia de homens como ele. Foi ele o homem que nos deixou para nos proteger de um mal que, afinal, nunca tinha cometido, à semelhança de cristo. Esse mesmo Saramago que regressou para agradecer às pessoas que o inspiraram na sua forma de escrever e, acima de tudo, de ser o ser que continua a ser. Quem são essas pessoas? Gente simples, gente que vive da terra, do senso comum (o tal senso comum que nos diz que a vida é complicada e que Saramago converteu em algo de tão simples como uma árvore que passa o ano a sofrer o bem e o mal das quatro estações do ano). Se existem heróis, então José Saramago é um super-herói. A sua vida vai terminar como a de nós todos. Mais uma razão para reforçar a utilidade do h minúsculo. A grande diferença é que este homem soube descodificá-la, limitando-se a pensar, mas não muito, porque não é necessário.

A vida é simples, morremos todos tal qual o elefante.

A minha vénia a estes dois grandes homens que, vendo bem as coisas, são Homens de portugal. Muito obrigado.




5 comentários:

Anónimo disse...

Ditto!

Convém referir, para quem espera e desespera, que para o Saramago que nós conhecemos ( o escritor, o Nobel) a vida começou aos 60. Até aos 60 anos este Senhor (com maiúscula) não editou nenhum livro. Para Manoel de Oliveira, o trabalho a sério começou aos 40. Nunca é tarde, meus caros. E para o Deslatinador (com maiúscula) nunca cai mal um post "sério", para variar.

Bem hajam!

mim disse...

Completamente absorta que fiquei a ler este tão bom texto teu, concordando em tanta coisa e discordando de outras tantas porque assim simplesmente somos feitos, apenas cedo a minha vénia, não só a estes tão grandes senhores, como também a tantos outros que não se limitam a cuspir palavras e ideias, mas também a criar como só um grande Português (com maiúscula) cria, e que, ou por falta de modéstia (como o Sr. Saramago) ou por excesso da mesma modéstia(como o Sr.Manoel)não aparecem nos noticiários.

Resta-me apenas questionar o português ou espanhol do Saramago. Já lhe perguntaste? :)

'A vida é simples, morremos todos tal qual o elefante.' - LINDO ;)

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Anónimo disse...

Gosto do tom da homenagem. Parabéns!!! É bem verdade que estes dois homens, gostando-se ou não dos seus registos, elevam Portugal e como tal devem merecer todo o tipo de homenagens por mais singelas que pareçam, com toda a certeza são profundas em senimentos. Bonito texto, belas considerações. Um bijo desta «tua» leitora assídua.

Jorge Monteiro disse...

Maria Lau, antes de mais, obrigado pelo comentário. Quanto à questão de ser português ou espanhol não é necessário perguntar-lhe. É óbvio que se sente mais português que espanhol. É um português desiludido com o país que teve e que tem. O Joaquim de Almeida não é considerado por tudo e por todos português? O Cristiano Ronaldo não o é? Claro que sim. E olha que o Saramago não emigrou pelas mesmas razões que estes dois, disso podes estar certa. Emigrou porque quis exercer o seu trabalho. Não emigrou para ganhar mais. Se assim fosse associava-se a uma editora espanhola que lhe pagasse mais. Mas continua a escrever sob o selo nacional da Caminho. Emigrou porque se sentiu perseguido, tal como foram outros no tempo da Inquisição e do Index. É isto uma democracia? Um país que não valoriza os seus talentos, apesar das suas ideologias serem diferentes, um país que reprime os bons e não lhes dá chance de serem reconhecidos? Pior que isto tudo, foi reprimido por gajos que ainda aí andam na sociedade e nunca fizeram nada por Portugal. Uns deles até já desapareceram do mapa. Por vezes uma família afectiva é mais importante que uma família de sangue. O Saramago foi traído pela família de sangue, mas nunca se desligou sentimentalmente da mesma. Nunca. Desiludiu-se apenas, como eu e mesmo até tu te deves desiludir às vezes. Nós não agimos, ele agiu, mas não fugiu. E como vês conseguiu elevar-se onde ninguém pensava que ele chegasse e, mais que isso, elevou o país e elevou-se ainda mais a ele próprio. É português Maria Lau. Mas amanhã ligo-lhe e pergunto-lhe :)
Muito obrigado pelo comentário!

Beijinhos

(ah...e não sei que história é essa da falta de modéstia do Saramago mas não me apetece escrever mais nada porque vou jantar)

patanisca disse...

FOSGA-SE!!! Surpreendeste-me =) Afinal consegues escrever coisas sérias..lol. Mas sim senhor, está um belíssimo texto. Também, vindo de quem vem, só poderia estar belíssimo! Parabéns Jorgito.

Beijo