Salgadices

O belo Domingo de ontem foi um dia de muita lambarice. Foi o dia em que Cristo ressuscitou, ao fim do terceiro dia. Não percebo qual a razão para tanto festejo. Na Sexta-feira à noite também morri. No Sábado andei o dia todo a morrer. À noite continuei a matar-me. Só ontem é que ressuscitei. Obrigado Gurosan. Se Jesus tivesse essas belas pastilhas, não tinha o mérito que lhe dão. Enfim. Foi Páscoa e foi um dia muito lindo.

Tanto na Páscoa, como no Natal, as coisas que se festejam a volta do menino Cristo têm a ver sobretudo com...comida. Seja com bacalhau, coelho ou amêndoas, tudo serve de pretexto para encher o bandulho. Razão? Nosso Senhor nasceu, ou ressuscitou, ou qualquer coisa...

Uma coisa, aliás, três coisas nunca podem faltar nestas festarolas. Mais visíveis ou discretos, no cantinho da mesa, estão sempre lá os belos salgadinhos. Nunca tinha dito isto, vou perder a cabeça: os salgadinhos são uma grande finice. Existem vários tipos, mas vou-me concentrar nos três principais: rissol, croquete e bolinho de bacalhau. Estes são os supra-sumos dos salgados, uma espécie de Athos, Porthos e Aramis da arte do petisco. Depois ainda temos a chamuça, mas isso já é mais o Dartacão.

O rissol é o salgado mais enigmático. Por fora, todos se parecem iguais. Por dentro, está o segredo. Perguntas como: "Terá muita carne?", "A carne será boa?", "Não terá massa a mais?", "É de carne ou de marisco?" são frequentes. Sem dúvida, um dos maiores enigmas da história da alimentação. Comer um rissol acaba por ser um risco. E eu...e eu...tenho muito medo... Certo é que, rara é a pessoa que fica intrigada com o rissol e acaba por não prová-lo. Este dourado e belo salgado é uma tentação. Quando os russos (os da Rússia, que por acaso até são russos e gostam de cantar o fado do Cavalo Ruço) descobrirem este fenómeno da alimentação, vão usa-lo com uma arma. Já imagino os rissóis envenenados a serem armas contra os opositores do regime de Moscovo. "Aquele jornalista anda atrás de nós?! Não queria chegar tão longe, mas vamos ter de lhe dar um rissol!".

Outro fenómeno é o croquete. Este regalo é um parente próximo do rissol. É como se fosse um siamês mais feio. Um rissol, mas nu. É menos enigmático. Quando se olha para o croquete, a única dúvida é se será bom, ou não. Não tem a bela camada de massa por cima. Simplesmente, aparece ali à nossa frente e quase que nos grita "come-me, estou indefeso!". Ao contrário do rissol, o croquete não é um risco. "Ó mãe os rissóis são de carne ou de marisco? Não gosto de marisco!". Se houver croquetes na mesa, a solução é fácil: "Come um croquete filhote, desses tu já gostas. Sabias que és adoptado e que o teu pai tinha o HIV?". A assim se resolve a situação. É um salgado parecido com o Vale e Azevedo. Gordinho e careca. A única diferença é que o croquete é honesto.

Por fim, aparece-nos, com um grande sorriso na cara, o bolinho de bacalhau. Um salgado com um ar angélico. Quase sempre a pedir-nos: "Come-me! Sou bonito e tenho salsinha!". Este salgado preocupa-se com o look. Um bolinho ideal tem de ser mais amarelo que o rissol, pode ser mais comprido ou mais em forma de bolinha, mas tem de possuir um alto-relevo de salsa. Por fora tem de ser assim. É um bolinho sedutor, assim como eu. A diferença é que eu sou comido mas não desapareço, nem sou cagado. Por dentro, é que a porca torce o rabo (nunca percebi porquê que a porca torce o rabo). O grande problema deste Casanova de bacalhau é, precisamente, a possibilidade de ter pouco bacalhau. "Os bolinhos estão um regalo, só é pena terem pouco bacalhau". E por vezes têm espinhas: "Ó Rúben Miguel! Não comas isso que tem espinhas!". Um salgadinho malandro. Uma autêntica armadilha sedutora.

Os bolinhos de bacalhau são como a maioria dos homens. São sedutores, todos bonitos por fora e o caraças, cheios de cheirinhos e salsinhas (que são as roupas da marca De Puta Madre). No interior têm pouco bacalhau (dinheiro) e muitas espinhas (cheiro a cavalo). De uma coisa tenho a certeza, com pouco bacalhau e com muitas espinhas, o sonho de qualquer homem é ser bolinho de bacalhau.

Quem o diz é aqui o Latinador, por isso só pode ser verdade.